As doenças crónicas são hoje as principais causes de morte e incapacidade em todo o mundo. Apesar da melhoria das condições de vida, do maior acesso a cuidados de saúde e do desenvolvimento da Medicina, todos os anos ocorrem milhares de mortes e incapacidade causada por doenças que seriam potencialmente evitáveis. São exemplos destas mesmo muitas doenças cardiovasculares (enfarte agudo do miocárdio, AVC) e doenças oncológicas.
O tema da prevenção, em particular das doenças crónicas, está cada vez mais na ordem do dia. É hoje evidente que o futuro dos sistemas de saúde depende da capacidade de evitar a doença crónica e os avanços tecnológicos, como a inteligência artificial e a sequenciação genética, prometem um novo paradigma da prevenção em saúde. A verdade é que apesar do entusiasmo tecnológico e apelo pela novidade, as medidas que maior impacto tem em evitar a doença e promover a saúde são conhecidas de todos nós: adotar um estilo de vida saudável com a prática de exercício físico, ter uma alimentação equilibrada e evitar comportamentos de risco como o tabaco.
Enquanto médico internista, contacto diariamente com os extremos das doenças. Os extremos podem ocorrer na sua manifestação, observando casos que vão da total ausência de sintomas à presença de um problema insuportável numa doença avançada e incurável. Os extremos, contudo, também acontecem na atitude das pessoas perante a doença, e principalmente perante aquilo que podem fazer para as prevenir. Vejo algumas pessoas que, por desconhecimento, negligência ou preconceito ignoram a realização de rastreios e vêm anos mais tarde a sofrer importantes consequências deste comportamento. Mas observo também pessoas que vivem com a fixação do diagnóstico precoce e que acabam em espirais de exames desnecessários que levam a tratamentos supérfluos e por vezes levam a efeitos indesejáveis, tais como complicações de tratamentos ou simplesmente desperdício de recursos.
É obrigação de todos nós combater estes dois extremos. Se por um lado é fulcral reconhecer precocemente fatores de risco como o excesso de peso, pressão arterial elevada ou colesterol elevado, por outro nem sempre o reconhecimento precoce de uma determinada doença leva a resultados melhores, ou seja, uma vida mais longa e com qualidade de vida. Este é aliás um tema bastante controverso, no qual facilmente nos podemos confundir com informação contraditória. Existe atualmente bastante investigação científica para tentar determinar o timing e tipologia de rastreios para diversas doenças. Um diagnóstico precoce à partida atuar mais precocemente, o que em teoria aumenta as hipóteses de sucesso no tratamento de uma doença como o cancro. Contudo, é necessário estudar o impacto que isto tem para as pessoas, entrando em linha de conta com os resultados clínicos dos tratamentos a que estas são sujeitas, mas também com as possíveis complicações daí resultantes.
Apesar da controvérsia à volta deste tema já existem à data atual vários rastreios que são consensuais e que demonstrar claramente uma melhoria na sobrevivência e qualidade de vida das populações. Uma determinação apropriada e pressão arterial ou a realização de análises laboratoriais simples permite por exemplo diagnosticar Diabetes mellitus ou dislipidemia, duas condições com importantes implicações terapêuticas e prognósticas. Por outro lado, os rastreios do cancro da mama, colo do útero e intestino estão bem estabelecidos e não há dúvidas quanto ao seu benefício nas populações.
Os rastreios, no entanto, não se resumem a fazer listas mais ou menos exaustivas de exames de diagnóstico. Uma consulta médica com um especialista vocacionado para a medicina preventiva, constitui em si mesma uma momento chave no futuro da saúde de muitas pessoas. É através da colaboração entre o médico e o doente que é possível adaptar recomendações feitas para a população geral a casos individuais. O conhecimento médico é essencial para adaptar atitudes preventivas a fatores de risco individuais, tais como a existência de história familiar de uma neoplasia ou de morte súbita em idade precoce. A relação de confiança entre médico o doente é também fundamental para desmistificar a ideia que mais (exames e mais informação) é igual a mais saúde. É fundamental atingir um equilíbrio entre a investigação que é possível fazer e aquela que é adequada a cada situação clínica.
A prevenção da doença começa, portanto em cada um de nós, tanto na adoção de comportamentos saudáveis, como na realização atempada de rastreios apropriados à nossa circunstância clínica.
É possível que num futuro próximo tenhamos à nossa disposição métodos sofisticados e personalizados de diagnóstico que venham a comprovar o seu benefício com estudos clínicos bem feitos. Até lá, se todos fizermos o que à data de hoje é consensual, já estaremos a melhorar significativamente a nossa situação contribuir para uma vida mais saudável e um sistema de saúde mais sustentável.
Autoria: Dr. Bernardo Neves | Médico Especialista em Medicina Interna