A doença degenerativa é um dos temas médicos mais discutidos na atualidade, não só pela comunidade médica, como no setor da saúde, em sentido mais abrangente. Isto sucede porque, para além dos aspetos clínicos, propriamente, que atendem à abordagem de um dos maiores flagelos para a saúde, as doenças neurológicas comportam custos de ordem vária, nomeadamente sociais e económicos.
Com implicações muito severas desde logo para os indivíduos portadores, estas condições médicas têm um potencial disruptivo em vários domínios do quotidiano, que se estendem também às famílias e sociedade como um todo.
A par dos cuidados médicos, a literacia e informação são fundamentais na abordagem das denominadas “doenças da longevidade”.
O que está em causa
Investigar causas de doença neurológica não é/ fácil porque, na sua maioria, elas são multifatoriais. Com efeito, os fatores na origem destas doenças poderão ser genéticos e/ou ambientais, incluindo tóxicos, inflamatórios e dano vascular.
Os fatores genéticos têm um peso muito significativo e muito evidente em doenças como é o caso da Polineuropatia amiloidótica familiar ou “doença dos pezinhos”, prevalente em Portugal.
Por isso, em doenças multifatoriais, identificar fatores de risco é fundamental para intervir e atrasar a evolução, incluindo nas doenças neurodegenerativas.
O caso particular da Demência: Portugal e o mundo
Com base nos dados da European Alzheimer Association, estima-se que existam mais de 190.000 pessoas com demência no nosso país (dados a 2019). Em 2023, a demência foi a 7ª causa de dependência e morte na população idosa, sendo considerada uma prioridade para a Organização Mundial de Saúde (OMS). O conjunto de doenças, na sua maioria neurodegenerativas que são suscetíveis de causar demência, tem crescido exponencialmente à medida do envelhecimento populacional.
A OMS estima que existam cerca de 50 milhões de pessoas com demência em todo o mundo e 10 milhões de novos casos por ano.
O estudo FINGER e o futuro na prevenção de doença degenerativa cerebral
Não havendo cura para a esmagadora maioria dos quadros neurodegenerativos e à semelhança de outros domínios, a prevenção é o caminho a seguir.
Para as doenças neurodegenerativas, a prevenção assenta em dois pilares:
1. Melhoria dos mecanismos de proteção cerebral;
2. Diminuição dos fatores de risco.
Há, no entanto, fatores de risco para demência e declínio cognitivo que não podem ser alterados, como a idade e genética.
Quando se fala em risco genético, estão em causa mutações identificadas que causam doença (genes de doença) e genes de predisposição.
As mutações causadoras de doença são extremamente raras e explicam uma percentagem mínima das doenças neurodegenerativas mais frequentes. Já os genes de predisposição são muito mais prevalentes, mas a sua presença isolada não significa que o indivíduo vá desenvolver doença, mas apenas que tem um maior risco, sendo que é nestes casos que a intervenção precoce e medidas de redução de fatores de risco parecem ser mais eficazes.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) identificou os principais fatores que, sendo modificáveis, podem proteger o cérebro de doença, tanto pelo aumento de mecanismos protetores como pela redução de fatores de risco. De acordo com a OMS, a intervenção sobre estes fatores de risco terá o potencial para reduzir em até 40% o risco de demência, o que poderia traduzir-se num impacto social e económico muito significativo.
O estudo FINGER
Tendo como ponto de partida estas recomendações da OMS, um painel de peritos analisou como melhor abordar a prevenção de demência no mundo real, considerando o benefício individual para a saúde, mas também o benefício socioeconómico decorrente desta intervenção.
Este ensaio, denominado de “FINGER”, que utiliza a analogia dos 5 dedos da mão, consiste na conceção de uma intervenção populacional em 5 vertentes:
1. Intervenções nutricionais e na dieta
2. Exercício físico
3. Estimulação cognitiva
4. Convívio social
5. Prevenção Cardiovascular
Este estudo foi o primeiro modelo de intervenção para melhorar a saúde do cérebro e mostrou já, numa primeira análise, benefícios cognitivos, redução de risco cardiovascular e declínio funcional, redução de risco de doença crónica, melhoria de qualidade de vida e benefícios em economia de saúde.
Apesar de não existir tratamento para a doença neurodegenerativa no momento atual, é possível retardar o processo degenerativo. Manter o cérebro ativo e a funcionar é fundamental para uma longevidade equilibrada e com qualidade. Por isso, a aposta deve ser nas múltiplas formas de prevenção, simples e ao seu alcance.
Autoria: Dra. Sofia Nunes Oliveira | Neurologista